(O Amigo do Povo? Ó diabo, isto é para mim! Dirigem-se a mim, não há dúvida! caramba! Vamos cá ver que amigos são estes…)
«Porquê o amigo do povo?
Evidentemente porque o povo precisa de amigos! A gente que o diga.
Porque amigo não abandona amigo em tempos difíceis.
Porque o amigo é sincero mesmo quando sabe que será impopular.
Porque o amigo convida os amigos para o ballet, a ópera, concertos pop e idas à discoteca, exposições de pintura, happenings, aprofundadas reflexões filosóficas, políticas ou outr(as)(os), jogos de azar e de sorte, um cafezinho no café da esquina ou um jogo de futebol.
Porque amigo não escolhe amigo em função da política.
Porque sim.
O amigo do povo tem um antepassado ilustre. L’Ami du Peuple de Marat que tanto fez pela Revolução Francesa. Duas coisas podemos garantir. Não vamos seguir a sua linha política (aliás não vamos seguir nenhuma linha política). E vamos conseguir fazer melhor em termos de isenção, probidade intelectual e diversidade de pontos de vista. Já quanto a incitar motins e promover massacres não podemos prometer nada (de momento).
O amigo do povo tem um primo na província (essa parte tão linda do nosso país). Mas enquanto o Amigo do Povo é o jornal oficial da diocese de Coimbra, nós não somos o jornal oficial de coisa nenhuma. Aliás, pensando bem, nem sequer somos um jornal. O que somos afinal?
Eis a pergunta ideal para lançar um pequeno concurso entre os leitores amigos em jeito de aposta múltipla.
Um bando de desalinhados.
Um bando de desesperados.
Um bando.
Um.
Vários.
Outr(a)(o).
[NOTA: Este concurso não é autorizado pelo Governo Civil. Este concurso não tem um júri isento. Neste concurso não há sorteio. Quem ganhar este concurso não tem forma de o saber. Quem ganhar este concurso não recebe prémio (material ou virtual)].»
Olá minha gente! Fiquei cá umas vontades de vos conhecer! Eu, pobre naco de gente do povo ao qual injustamente pertenço, fiquei sobremaneira alegrado com a vossa vinda. Ainda por cima porque morro na viva província, “essa parte tão linda do nosso país”, como Vossas Excelências tão bem falaram – e como falam bem, sim senhor! Têm lá um primo, não é? É afastado? Ai, desculpem. Não li bem: referiam-se ao jornal, não era? Logo vi: primos na província? Isso já é coisa rara, Excelências! Bom, nem em todo o lado. Aqui na terrinha temos muitos primos - afastados. E é. É muito, muito linda esta poesia bucólica, esta paz, este sossego, esta pasmaceira, por vezes - há que dizê-lo frontalmente. E digo, ainda por cima sendo eu o retrato vivo e em fresco do que Vossas Excelências tão bem pintaram: “amigo é sincero mesmo quando sabe que será impopular.” Ora eu sou mesmo sincero, Excelências, e por isso mesmo tenho a dizer-lhes: não gosto muito de ser impopular. Gosto mais da ribalta. Parcos sonhos de parvo aldeão… E, olhem, ir ao ballet com Vossas Senhorias. Ah, o que eu gostava! Como gostava de sair da linda província para, ao lado de Vossas Excelências, entrar em faustoso teatro da capital. Era um gozo. Ou melhor, seria gozado. E daí talvez não, que os tempos d’ “A Queda dum Anjo” do nosso Camilo já lá vão! Hoje já iria com farpela decente, à moda. Comigo à vossa beira, Excelências, não iriam sentir vergonha – palavra de amigo, mesmo que maldito. Evoluímos, foi o que foi. O que ficou mesmo foi a pobreza e os cemitérios, para onde caem os nossos muitos velhos. Mas isso são tristezas, e Vossas Senhorias por certo não querem chorar perante tão - como direi? - negro cenário, dentro da poética e linda província. Mas também lhes digo: nem tudo é igual. Há províncias e províncias! Tive má sorte: fui parido numa mais distante, com menos regalias, como, olhe, como o bom povo diz, pelo menos este daqui. Estou a maçá-los, não estou? Mas olhem que eu sou amigo, e aos amigos há que os escutar, mesmo aos impopulares. Digo eu, timidamente. (Se calhar não tenho categoria para ser amigo deles… Há que contar com isso. Amigo do povo, amigo do povo, mas olhe lá essa linguagem, esse sovaco, essa terra na botifarra, não vá eu ficar com pedra no sapato, etc. e tal. É que também há povo e povo…Cuidado, maldito, cuidado…)
Bem, isto já está um bocado grande, e como a gente do povo tem alguma dificuldade com estas coisas da palavra, de mais a mais a escrita, preparo o final. Mas antes… Posso participar no vosso concurso? Aquele em que perguntam aos “leitores amigos” (e aos outros também, espero) “o que somos afinal?” Posso participar? O povo adora estas coisas. Eu cá não resisto. É logo um formigueiro!... Quê!? Concursos e perguntas e tal? Sou o campeão cá do sítio. Mas este vosso concurso até é fácil. Mau, mau é nada se ganhar, seus forretas. Bom, não se apoquentem. Eu digo já. “O que somos afinal?” perguntam Vossas Excelências. De chofre ocorreu-me responder que são Excelências que escrevem num blogue; um blogue, portanto. Mas como essa hipótese não nos é dada, confesso que estive indeciso entre a segunda (“um bando de desesperados”) e a terceira (“um bando”). Não os conhecendo muito bem, mas considerando que são meus amigos por ser eu do povo, inclino-me para a terceira hipótese – “Um bando”. Na minha humilde opinião, Vossas Excelências são o bando que melhor voa. Sempre em conjunto, que os amigos, para além de serem para as ocasiões, andam sempre juntos. Olhem: um bando faz a força, Amigo do Povo. E já agora, a talhe de foice – mais campo, mais povo -, agradeçam a referência que este vosso amigo fez ao vosso brilhante espaço. Seria justo, uma vez que assim fizeram aos outros que de vós falaram. Democracia, digo eu, timidamente. E assim muito contribuiriam para este meu obstinado pecado de querer à força (viva ou morta, tanto faz) ser famoso. Afinal, o amigo ajuda o amigo. “A gente que o diga”, não é? E contem comigo. Sou do povo, logo, amigo, Amigo do Povo. Até sempre.
P.S. (povo solidário) - Ansiosamente, espero cartinha vossa. Se acharem melhor não me levarem ao ballet - o que compreendo, até porque já vai havendo menos -, uma ópera não ia nada mal – tenho interesse. É que ouvi dizer que um certo povo tem muita dificuldade em arranjar um bilhetinho para essas lotações logo esgotadas… Há uma ligeira diferença entre amigo do povo e povo amigo. Ou estou enganado? E se me permitem um conselho, amigos, o povo gosta de umas boas revoluções. Pelo menos algum. Povo, claro. De massacres é que já estamos um bocado fartos. Massacrados.
P.S.S. (povo sempre solidário) -A respeitosa missiva deverá ser enviada ao nosso cuidado: maldito.seja@hotmail.com. Já viram: "é-mail". Evolução na linda província… Viva o progresso! Que vivam os amigos para a gente não morrer! Que a tua mão, amigo, lave a minha mão!...
(Como as coisas são… Toda esta agradável conversa fez-me lembrar o saudoso Camilo: «Santa audácia! Bizarra índole de antigo cavaleiro, que abriga no peito a generosidade com que os heróis dos Lobeiras, Cervantes, Barros e Morais se lançavam às aventurosas lides, no intento de corrigir vícios e endireitar as tortuosidades da humana maldade!» Isto é que é escrever, caramba! É de "A Queda dum Anjo"!)

quinta-feira, janeiro 19, 2006 by Ah, maldito!