(Diabo? Diabo! Que queres tu agora, anjo? Nunca me ouvem à primeira! Ninguém me respeita? Irra! Olha que a ira não te assenta nada bem: é pecado! Não quero saber das tuas opiniões, ó Diabo. Dá-lhe o sapo. Vamos a isto, "asudos" e rabudos!)
Oh, não fora eu rijo e quase sucumbia à sua generosidade, Excelência! O seu altruísmo é de estarrecer! Eu, um pobre diabo, maldito com certeza, em destaque na sua reluzente seara de oiro torrado! Já não sou um descartável; sou, isso sim, um destacável! Oh, ventura! Oh, benfazejos deuses! Este grão a germinar em tão fértil solo! Que fiz eu para merecer tão grande bênção? Eu, ao lado dos famosos! Um famoso? Será? Se se confirmar, serei girassol sempre voltado para o astro-rei, sempre seguindo a sua trajectória e agradecendo cada dia vivido nesta Terra que também sabe dar a quem persegue e tenazmente persiste na conquista dos seus intentos a quentura que é a Fortuna! Mais palavras? Não as encontro eu, de molde a bem exprimir a honra que sinto ao ver-me ali plantado na sua janela que para o mundo se abre! E para mais alto brindar este momento único acabo com este meu mau murmúrio, para dar voz ao poeta que em prosa assim falou num certo dia: «Saber que será má a obra que se fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. Essa planta é a alegria dela, e também por vezes a minha. O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou me não basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida.» Escrito por Bernardo Soares!
(Ai fama, fama, quão penoso se me revela o feito de te conquistar...!)

segunda-feira, janeiro 30, 2006 by Ah, maldito!