Quem não sabe? Todos sabemos, Excelências: uma das mais valiosas muletas da Província Blogosfera consiste na divulgação dos altos nomes da cultura. Ora que também eu, como é fácil de imaginar, não posso ficar para trás. (Era o que faltava!) Animado e até excitado por poder fazer um figurão, dou a conhecer a Vossas Excelências um poeta contemporâneo de alto gabarito. Talvez alguns de vós, Excelências, já tenham lido algum trecho do excelso nome. Se for esse o caso, será um prazer relê-lo. Para os que ainda não o conhecem aqui fica, para já, o retrato:
É ele Raul Coentro, Excelências, que andou neste mundo entre 1939 e 2002. Quem diria, não é? Ter andado por aí um poeta que algumas Excelências nunca chegaram a conhecer! E dele vamos ouvir uma história passada, quiçá uma lição de e para todos os tempos. Episódio esse, Excelências, que está ao nível de um Bocage. Prestem atenção, pois vai falar um poeta:
Glossando António Aleixo (é o título)
«Sou fã incondicional de António Aleixo, o grande e popular Poeta, semi-analfabeto, pastor e cauteleiro, que amiúde cito nas minhas conversas.
Como toda a gente, tenho pessoas muito amigas e outras menos e ainda outras... nada! Cá na terra há um indivíduo que, por inveja ou negação, denegria sistematicamente a minha imagem e o meu trabalho com arremedos de ironia e de, com verrinosa intenção, angariar méritos à minha conta. Ideia ou iniciativa que eu tivesse e divulgasse, logo ele se assumia como mentor de tal, se a achasse boa e viável, ou a ridicularizava, se a achasse menos exequível, exercendo sobre as pessoas simples deste meio pressões para que eu fosse ignorado em determinados aspectos intelectuais.
Também ele citava frequentemente António Aleixo e, certo dia, numa petiscada de fêveras e de entrecosto grelhados, numa roda de amigos e conhecidos, entre os últimos quais eu me encontrava, quis brilhar, após muita jactância, tentando aguilhoar-me após eu ter dito algumas insignificâncias filosóficas, dizendo a quadra do popular poeta:
Mas que inteligência rara!
E julgas-te uma competência!
Nem sei como tu tens cara
p'ra ter tanta inteligência!
Claro que eu, que já tinha previamente glosado a quadra, por mera coincidência, visando o meu rival, não perdi a oportunidade de tomar palavra e ler essas glosas em tom chocarreiro:
Safado desde menino
viveste sempre enganado!
E pensas, por seres safado,
que é mais rico o teu Destino...
Impostor, com pouco tino,
soberba em ti é seara!
E, numa atitude ignara,
ainda ficas vaidoso
quando te dizem, por gozo:
mas que inteligência rara!...
Dizes que em terra de cego
quem tiver um olho é rei,
e vais, à margem da lei,
alimentando o teu ego.
És esperto, não o nego,
mas não sabes ter decência,
pois toda a tua ciência,
que tu achas tão bonita,
consiste em seres parasita!...
... E julgas-te uma competência!
Descarado gabarola,
nada há que não te sobre!
Ao pé de ti tudo é pobre,
à mercê da tua esmola!...
Na gente dessa bitola
assim, mesquinha e avara,
a vergonha é coisa rara
que nessa cara se ponha!
... E com tão pouca vergonha
nem sei como tu tens cara!...
Deixa lá de ser safado
porque a vida não perdoa
e quem vive, assim, à toa,
nunca chega a qualquer lado!
Só porque é triste o teu fado
terás de ter paciência;
toma da vida a essência
por pouco que te pareça!
- É que tu não tens cabeça
p'ra ter tanta inteligência!...
Amigos e conhecidos aplaudiram, riram, galhofaram, e, com palmadinhas nas costas, lá me encheram de novo o copo de tintol e me presentearam com mais uma peça de entrecosto. Entretanto o visado meteu o rabinho entre as pernas e, até hoje, nunca mais se meteu comigo... Remédio santo!»
Raul Coentro.
Espero que tenham gostado, Excelências. Caso haja algum erro, culpa minha é que não é, porque este e outros escritos podem ser consultados
aqui. Para o feito de aqui aparecer a voz do poeta, utilizei o científico método do copia-e-cola, e já está.
terça-feira, janeiro 24, 2006 by Ah, maldito!